Artigo sobre a evolução da escultura até a Escultura Contemporânea
Agnaldo Farias
A afirmação da escultura
Em
conversa exclusiva com a Revista E, Agnaldo Farias, professor de
história da arte na USP e curador da representação brasileira da XXV
Bienal de Arte de São Paulo, falou sobre os diversos aspectos da
produção escultórica contemporânea
A escultura sofreu
modificações radicais ao longo do século até chegar à noção de
instalação, na qual, em vez de haver um objeto no espaço, há algo que
eventualmente pode até se confundir com o próprio espaço.É interessante
partir da noção mais clássica, a de Rodin (Auguste Rodin, 1840-1917).
Entre os aspectos interessantes da obra dele está o fato de que ele é o
ápice e ao mesmo tempo o começo do declínio de uma certa noção de
escultura - a escultura como monumento. E, como monumento, ela
"monumentaliza" figuras históricas, grandes passagens que merecem ser
cultuadas, heróis ou mesmo figuras mitológicas. Em um momento seguinte,
surge uma figura como o Brancusi (Constantin Brancusi, 1876-1957), que
busca tematizar a própria base da escultura. O pedestal da escultura, na
medida em que é um corpo, um objeto tridimensional, também é escultura.
Ao pensar isso, Brancusi "tira" a escultura do pedestal, ou o pedestal
sobe até a escultura. Essa ação se dá de maneira recíproca, face a face,
lado a lado. Há, portanto, uma completa alteração do estatuto da
escultura. Também curioso é que ele passa a usar materiais polidos. Faz
com que as peças sejam reflexivas, que funcionem quase como um espelho.
Nesse momento, a escultura não divide mais o espaço, ela o reflete. O
espaço está nela, na superfície da escultura. Outro passo importante
dentro dessa discussão é dado pelo artista russo Tatlin (Vladimir
Tatlin, 1885-1953). O Tatlin parte para uma escultura que não se
localiza mais no centro do espaço. Ela é projetada para a parede. Tatlin
faz peças que são de canto, relevos de canto, e ele faz isso
influenciado pelos relevos que Picasso fez em sua fase cubista. Além
disso, surgem cabos de aço que atravessam o espaço de uma parede a
outra. Aí, nem bem é pintura, nem bem é escultura. Não é nem uma coisa
nem outra. É um objeto híbrido. Nesse momento, a temática deixa de ser
figurativa. Em Rodin você tem pessoas. Em Brancusi, embora ele vá
abstraindo, o trabalho ainda é figurativo. Em Tatlin, não. O que ele
tematiza são as forças, a energia, a tensão, o peso, a textura. A obra é
auto-referente. O material fala de si, não fala de nada externo a ele.
Outra passagem interessante é o Calder (Alexander Calder, 1898-1976),
que é encafifado com o fato de que a escultura sintetiza a gravidade.
Mesmo que se tirasse o pedestal, ela estava no chão. Ele criou então os
móbiles, que são esculturas suspensas que ficam perpetuamente se
movimentando. É um trabalho de estrutura muito interessante, no qual as
forças vão sendo dirimidas. É oscilante, frágil como os galhos ou as
folhas de uma árvore que se alteram com a menor ação do vento. Esse é um
passo bastante interessante, pois Calder de fato suprime a gravidade,
suprime o peso, a base. A escultura continua sujeita à gravidade, mas de
uma outra maneira. Outro artista importante é Alberto Giacometti
(1901-1966). O homem é o grande tema de seu trabalho - o homem moderno,
na iminência da guerra, ou depois da Segunda Guerra Mundial. Ele faz
esculturas verticais, de um homem magro, esquálido, longelíneo, feito
com pouquíssima matéria. São muito frágeis as esculturas que ele
constrói. Chega um momento em que a escultura não se suporta, quase que
se autodestrói. Ela expressa a visão de homem que o artista tem, como se
fosse difícil a sua sobrevivência. No entanto, mantém a verticalidade
de homem. É a tentativa de estar de pé não obstante todas as
intempéries, as dificuldades. É muito forte, muito potente, o trabalho
do Giacometti.Em um outro passo bem drástico, chega-se a uma visão muito
mais contemporânea de escultura. Trata-se de Richard Serra (1939-).
Esse artista americano passa a pensar a escultura não mais
necessariamente como objeto, mas como atitude, como ação. Em meados dos
anos 60, ele define a escultura como sendo dobrar, amassar, estirar - a
escultura como uma ação de formalização do homem, que trabalha, opera
sobre o mundo, sobre a matéria que o mundo oferece. E aí, pensando numa
escultura que seja o resultado desse processo, temos peças que são, por
exemplo, chumbo jogado na parede. Ao olhar a peça, percebe-se a ação
envolvida no seu resultado, remonta-se o processo. Preocupado em deixar
isso mais explícito, em buscar novas soluções para o mesmo tema, ele vai
trabalhar com peças de apoio, como grandes folhas de chumbo e peças de
metal escoradas umas nas outras. Há uma relação tensa entre as peças, um
evidenciamento de tensões, de forças. Era para isso que ele estava
querendo chamar a atenção. Por fim, há o trabalho de dois artistas
brasileiros. O primeiro é o Waltercio Caldas (1946-), que é um mestre do
silêncio e do vazio. É uma escultura quase invisível. Ele trabalha
muito freqüentemente com material polido, cromado, à maneira do
Brancusi. Mas ele também trabalha com fios de náilon, com vazios, com
espelhos, com vidros. E quando se olha para a peça, às vezes nem sequer a
vemos. É interessante uma escultura que trabalha no limite do corpo, no
limite da "fisicalidade". Mais um pouco e ela não mais existe.Um outro
raciocínio muito curioso é o do Carlos Fajardo (1941-). No caso,
trata-se de uma exposição que ele fez, no final dos anos 80, em uma
grande sala cúbica projetada pelo Ruy Ohtake. Ele trabalhou com tapumes e
tijolos. Foi criando uma série de situações em que, por assim dizer,
foi tensionando o espaço, obrigando o espectador a fazer uma série de
gestos diferentes, quase uma coreografia. É toda uma dança que se
realiza com o próprio corpo.Uma característica geral da escultura
contemporânea é a variedade. Quando pensamos na arte moderna, por
exemplo, pensamos em movimentos, em tendências. Podem-se enxergar vários
artistas que são mais ou menos semelhantes. A grande característica da
arte contemporânea é que, na verdade, não há um denominador comum, ela é
multifacetada. Sua característica mais marcante é a heterogeneidade.
Você tem uma infinidade de modos de se pensar o espaço, de se pensar a
escultura. O conceito foi tão testado, tão expandido, que arrebentou. E
entre as diversas modalidades que surgiram desse estilhaçamento nasce o
conceito de instalação. Já não é uma peça que vemos de fora, como a
escultura tradicional. A instalação é uma escultura em que se entra, que
envolve vários sentidos: olfato, visão, tato. É uma sensação de
sinestesia. Agnaldo Farias ministrou a palestra "Esculpindo o Espaço"
dentro da programação do evento O Espaço na Arte Contemporânea, do Sesc
Ipiranga.
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